segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Deus no Inferno ou Deus do Inferno?

Uma breve reflexão sobre a meditação do Rev. Simonton

“Se Deus é onipresente, Ele estaria no inferno?” Depende. Depende da definição de termos e da postura lógica e/ou teológica do intérprete.

Primeiramente, há comentaristas bíblicos e teólogos que desacreditam no inferno como local. Segundo eles, embora Hades, o inferno no mundo greco-romano e na tradição judaico-cristã, tenha sido representado como lugar, tal representação poderia ser interpretada metaforicamente, de forma que, o inferno seria mais um estado ontológico após a morte do que a isolação da alma a uma região geográfica como medida punitiva. Conforme essa visão, qualquer realidade física da experiência pós-morte é dissolvida. Já que nessa leitura o inferno não se trata de uma categoria espacial, a pergunta sobre a presença de Deus nele seria necessariamente desqualificada como non sequitor.

Todavia, utilizando o princípio agostiniano da hermenêutica – de que o claro ensino do texto deve prevalecer – afirmamos que a Sagrada Escritura parece indicar que o inferno se trata de uma realidade física, “um lugar de castigo” nas palavras do Reverendo Simonton. Se é que o inferno existe como região geográfica delimitada (Lucas 16 menciona o abismo que separa o inferno do lugar abençoado onde se encontra o pobre Lázaro no seio de Abraão), a nossa pergunta entra em campo novamente. Penso que existam duas respostas possíveis, a puramente lógica e a teológica.

Conforme a lógica pura, o fato de Deus ser onipresente necessita a afirmação de que Ele está no inferno, pois, se Ele não está no inferno Ele não poderia ser onipresente. O problema, porém, é que a bíblia e a tradição da igreja enfatizam o elemento da separação que há entre o Céu e o inferno. O inferno parece ser caracterizado pela ausência e não a presença de Deus; é por isso, afinal, que o inferno é um lugar tão terrível. Aqueles que respondem à pergunta por meio da lógica pura afirmam que Deus está sim presente no inferno, Simonton escreve:

“Há dois aspectos do castigo no inferno – a dor da perda e a dor de sentir. A dor da perda é a ausência de tudo que é bom; mais significativamente é a separação de Deus. Isto não quer dizer que Deus não está no inferno; significa que aqueles no inferno não terão comunhão com Deus e não experimentarão nada de Seu amor, graça ou benção. Em outras palavras, eles serão isolados de qualquer gozo de Sua glória espetacular.” (grifo nosso).

Nós concordamos com as afirmações de Simonton, mas questionamos a necessidade da conclusão que está grifada. A tentativa de proceder na base estrita da lógica acaba sacrificando a mesma, pois, se como Simonton afirma de Mateus 25:30 que o inferno indica “uma ausência de todo bem”, Deus que se auto-define com a palavra amor não poderia estar presente, da mesma forma, se Deus é luz e nele não há nenhuma escuridão, a lógica pediria que o inferno fosse pelo menos iluminado pela presença literal de Deus nele, mas a impressão que temos dele da Sagrada Escritura é que é um lugar da mais profunda escuridão e trevas.

Mais adiante o autor afirma: “Embora Deus não esteja no inferno em graça e benção, Ele está lá em santidade de ira”, agora estamos nos aproximando mais à resposta teológica que entende a presença de Deus no inferno em termos dos seus atributos como justo Juiz. Dizer que Deus “está lá em santidade de ira” poderia ser interpretado como afirmar que o inferno não escapa da sua esfera de influência. Ou seja, figurativamente, Deus está presente no inferno, assim como – inegavelmente, de certa forma, o autor está presente no livro, mesmo que ele não se enquadre fisicamente entre as suas páginas.

Contudo, Simonton (a não ser que empregue o verbo “estar” de forma não literal) parece insistir na presença literal de Deus no inferno:

“Novamente, é importante notar que quando falamos daqueles no inferno como estando “separados” de Deus, isto não significa que Deus não está no inferno. Significa que os perdidos serão separados da comunhão com Ele – eles não experimentarão Sua gloriosa presença e amor, mas antes a Sua ira e desprazer.”

Ora, é difícil tirar essa conclusão do texto que é citado (2 Ts. 1:7-9), quando esse explica que aqueles que sofrerão “a perdição eterna” serão “banidos da face do Senhor e da glória do seu poder”. Novamente, a busca de provar o princípio da onipresença divina através da lógica acaba se equivocando, pois, para a lógica e a filologia, separação implica distância, e ausência física.

Para evitar o impasse a resposta teológica à pergunta responderia que Deus sim é onipresente, mas que se manifesta no inferno através da sua própria ausência. Assim, Ele está presente no inferno (figurativamente) na sua justiça e “em santidade de ira”. Se essa abordagem - falando estritamente - fere os princípios da lógica, questionemos até que ponto a lógica pura é adequada como ferramenta para decifrar esse tipo de problema.

Na história da igreja quando se trata dos mistérios da fé, existe essa mesma indagação quanto aos limites de uma interpretação que procura preservar a lógica. Na época da Reforma Protestante, por exemplo, surgiu uma polêmica entre Luteranos e Calvinistas no contexto da teologia da eucaristia. Calvino, trabalhando a tese lógica Finitum non capax Infiniti (o finito é incapaz (de assumir) o infinito), ou seja, a natureza humana de Jesus é incapaz de assumir plenamente a natureza divina, formulou o que tem sido conhecido como o extra Calvinisticum – a idéia de que a deidade de Cristo existiu não somente em Jesus, mas de certa forma, além de e independente do Verbo Encarnado. Aqui, o recorrer à argumentação lógica acaba criando sérias dificuldades para a cristologia, pois, como Deus, Jesus é onipresente, mas como homem é limitado à mão direita do Pai – diferente da visão luterana da ubiqüidade em que Cristo como um todo é onipresente – a interpretação Calvinista acaba ameaçando a unidade das duas naturezas de Cristo e parece criar uma espécie de Senhor esquizofrênico.

Para concluir, portanto, posso afirmar que estou de acordo com quase tudo o que o Reverendo Simonton elaborou. Fica claro, no entanto, que a interpretação de Simonton é uma das possíveis, mas não a única. Ao invés de afirmar que “Deus está no inferno”, declaração essa que tende a confundir aqueles irmãos menos instruídos, sugiro que seja mais proveitoso afirmar que Deus é soberano tendo plena autoridade sobre o inferno e que assim, não seria Deus no inferno, mas Deus do inferno (o inferno estando sujeito a Ele assim como a terra e o Céu).

Autor: Rev. Marcus O. Throup -
Missionário da SAMS (Inglaterra) - Teólogo residente da Con-Catedral em João Pessoa/PB - Professor do SAT-PB

2 comentários:

revthroup disse...

Dinho irmão - sou "Teólogo residente da Con-Catedral em João Pessoa" e vale dizer - Professor do SAT-PB! Que Deus te abençoe!

Valdolirio Junior disse...

Ok Reverendo, é que nao tinha mesmo os dados Completos! ;-)

Até breve

DINHO